Biodiversidade em projetos de reflorestamento para Créditos de Carbono: Desafios e Oportunidades
Um recente estudo realizado pela Social Carbon Foundation, uma ONG inglesa especializada em metodologias de certificação de projetos de créditos de carbono com enfoque social, em parceria com a Fundação Eco+, entidade associada à empresa química alemã Basf, revelou aspectos preocupantes sobre a diversidade biológica em projetos de reflorestamento ao redor do mundo. A análise abrangeu mais de 200 iniciativas de plantio de árvores destinadas à geração de créditos de carbono, evidenciando que apenas 12% desses projetos incorporam dez ou mais espécies nativas, enquanto 32% se baseiam exclusivamente em espécies exóticas.
A pesquisa alerta para o fato de que a escassez de variedade nas espécies nativas plantadas pode comprometer a eficácia desses projetos no que diz respeito à recuperação de ecossistemas e, por conseguinte, à mitigação das mudanças climáticas. A ênfase excessiva em espécies exóticas pode resultar em ecossistemas desequilibrados e menos resilientes às adversidades ambientais.
O estudo aborda não apenas a carência de biodiversidade, mas também questiona a adequação dos projetos de reflorestamento para créditos de carbono, apontando para a necessidade de uma revisão nas diretrizes de certificação. A predominância de espécies não nativas, a extração de madeira e a falta de monitoramento de cobenefícios são citados como elementos que reduzem os benefícios desses projetos para a biodiversidade.
Metodologia e Parcerias: A Análise Detalhada dos Projetos
A metodologia empregada na pesquisa consistiu na análise de projetos de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas (ARR), certificados e registrados por organismos internacionais desde 1999. A Social Carbon Foundation e a Fundação Eco+ uniram esforços para examinar a diversidade de espécies em projetos ao redor do mundo, gerando insights valiosos sobre a abordagem adotada nessas iniciativas.
A Preferência por Espécies de Crescimento Rápido: Desafios e Implicações
Entre as tendências identificadas, destaca-se a preferência por espécies de crescimento rápido, como eucalipto e teca, em muitos dos projetos analisados. Embora essas espécies sejam nativas em algumas regiões, a pesquisa alerta para casos em que os projetos aparentemente focados na abordagem de restauração na verdade consistem em plantações comerciais destinadas à extração de madeira. Essa prática pode representar um desvio das intenções originais de promover a recuperação de ecossistemas.
Os projetos foram categorizados em três grupos principais: aqueles que privilegiam espécies nativas, projetos de espécies mistas que combinam árvores com cultivos agrícolas e projetos que se baseiam exclusivamente em espécies exóticas para fins comerciais. Os resultados revelam uma prevalência notável de projetos centrados em espécies exóticas, levantando preocupações sobre a verdadeira contribuição dessas iniciativas para a biodiversidade e a restauração de ecossistemas.
A Importância da Estratégia na Escolha de Espécies não Nativas: Uma Visão do Biólogo
Tiago Egydio, gerente da Fundação Eco+, enfatiza a importância de uma abordagem precisa na escolha de espécies não nativas. Ele destaca que, embora seja possível utilizar tais espécies de forma estratégica para sombreamento ou outras finalidades, é crucial planejar a ocupação do espaço ao longo do tempo. O biólogo ressalta que, após um ciclo de crescimento específico, as espécies mais lentas podem ganhar força, contribuindo para a formação de ecossistemas nativos de longo prazo.
A pesquisa analisou projetos em diversas partes do mundo, com especial ênfase na Ásia e na América Latina, onde se concentra a maioria dos projetos ARR. A China lidera o ranking, com 57 projetos analisados. A média global aponta que 44% dos projetos se baseiam em espécies nativas, enquanto os projetos de espécies exóticas representam 32%.
No contexto brasileiro, foram analisados 12 projetos, com uma média um pouco superior a 24 espécies por projeto. No entanto, vale destacar que essa média é influenciada por um projeto específico em São Paulo, que se destaca ao cultivar 150 espécies diferentes.
A Exploração Madeireira nos Projetos
O estudo revela que a exploração madeireira está presente em 48% dos projetos analisados. Essa prática é ainda mais predominante em projetos baseados em espécies exóticas, ocorrendo em 90% dos casos. O relatório sugere que esses projetos muitas vezes são vinculados a empresas tradicionais da indústria madeireira, onde os créditos de carbono servem como fonte adicional de receita. Em contrapartida, apenas 15% dos projetos de espécies nativas adotam a exploração madeireira, priorizando o aumento da biodiversidade e a incorporação de atividades como a colheita de frutos.
Perspectivas de Mercado: Desafios e Oportunidades na Certificação de Carbono
Divaldo Rezende, presidente da Social Carbon no Brasil, destaca que os créditos de carbono de projetos mais complexos, focados na restauração e utilização de espécies nativas, podem ser mais caros, mas também mais confiáveis em termos de efetividade. Ele salienta que os principais compradores de créditos de carbono estão cada vez mais preferindo projetos que promovem a restauração e o uso de espécies nativas, visando benefícios que transcendem a mera captura de CO2.
Rezende aponta para a bioeconomia como uma vantagem associada às áreas com plantio de espécies nativas, destacando a diversidade de produtos de valor agregado, como compostos bioativos e óleos vegetais. Ele enfatiza que esses benefícios vão além da extração de madeira e contribuem para fortalecer a biodiversidade, a qualidade da água e até mesmo a inclusão social.
Desafios do Mercado de Compensação de Emissões e Perspectivas Futuras
Os resultados da pesquisa indicam uma lacuna no mercado de compensação de emissões de gases de efeito estufa. A escolha de espécies nativas com base apenas no potencial de captura de carbono, em detrimento da saúde do ecossistema, revela a necessidade de revisão nas estratégias de certificação. O estudo destaca a importância de conceber projetos de ARR de forma mais holística, considerando não apenas a redução de emissões, mas também a restauração efetiva de ecossistemas e a promoção da biodiversidade.
A pesquisa aponta para a necessidade premente de uma abordagem mais criteriosa na escolha de espécies, na gestão de áreas reflorestadas e na definição de critérios para a certificação de carbono. Projetos mais complexos, que abordam de maneira integrada a restauração, a inclusão de espécies nativas e a promoção da biodiversidade, surgem como fundamentais para enfrentar os desafios ambientais contemporâneos.
Conclusões e Reflexões sobre a Sustentabilidade Florestal
O estudo destaca que a diversidade biológica é um componente crítico na eficácia dos projetos de reflorestamento para créditos de carbono. A falta de variedade nas espécies nativas pode comprometer a restauração efetiva de ecossistemas e reduzir os benefícios para a biodiversidade. O mercado de compensação de emissões deve evoluir em direção a práticas mais sustentáveis, promovendo projetos que vão além da captura de carbono, abraçando a restauração integral de ecossistemas e fortalecendo a relação entre a bioeconomia e a preservação ambiental.
Nesse contexto, o Brasil, com sua riqueza ambiental e extensão territorial, tem o potencial de liderar uma transformação significativa no setor de compensação de carbono, incorporando práticas que não apenas reduzam emissões, mas também impulsionem a restauração florestal de forma abrangente. O desafio é equilibrar as demandas econômicas com a necessidade premente de preservar e restaurar ecossistemas, garantindo a sustentabilidade a longo prazo e a contribuição efetiva para o enfrentamento das mudanças climáticas.